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Artistas trans da Paraíba falam sobre suas escolhas

por publicado: 15/04/2018 00h05 última modificação: 15/04/2018 11h24
Divulgação Dj Ian Valentim é referência na discotecagem paraibana; e o cantor e dançarino Julian Sam foi protagonista de clipe de Val Donato

Dj Ian Valentim é referência na discotecagem paraibana; e o cantor e dançarino Julian Sam foi protagonista de clipe de Val Donato


Jamarrí Nogueira

Imagine viver quase duas décadas em ‘cativeiro’... Imagine viver sem ser quem você é... Pior que armário. Caixão. Imagine-se penitenciária de si mesmo. É possível que essas reflexões ajudem a entender melhor a temática trans. Diante da certeza de que não é fácil enfrentar as regras impostas pela sociedade, a partir da criação de conceitos binários bastante opressores e cruéis, artistas trans paraibanos deram um grito e assumiram o que são na essência.

“Quando eu era criança, já tinha certeza de que eu não era menina”, disse o cantor, compositor e dançarino Julian Sam, de Campina Grande. Tomar a decisão de que iniciaria um processo químico rumo ao transicionamento não foi fácil. Guinada foi durante o Réveillon de 2015. Julian conta que fez uma grande produção (roupa e maquiagem), mas não se sentia mulher.

Naquela virada de ano, ela decidiu exteriorizar o ‘ele’. Não à toa, tatuou no braço a data tão importante em sua vida: 1/1/2015. Os fãs assimilaram bem a ideia e Julian encontrou em si um novo artista. “A transição melhorou a minha desenvoltura na música. Gostei de ouvir o grave em minha voz”, contou ele.

Julian ainda tem seios e planeja fazer uma cirurgia para retirada. Assim, criou a campanha ‘Liberte o Julian’. Parte do dinheiro para a operação ele já conseguiu. A campanha ganhou mais popularidade e repercussão nacional após Julian protagonizar o clipe da música ‘Faca amolada’, de Val Donato.

O clipe - lançado no Dia da Visibilidade Trans – é o primeiro no país a ter um homem trans como protagonista. Ainda este ano, Julian pretende gravar seu primeiro EP. O repertório autoral reunirá canções de amor e também músicas de luta pela visibilidade trans. Um clipe também deverá ser produzido. 

Bailando na curva

Ainda em Campina Grande, uma jovem bailarina tem outra percepção a respeito das bandeiras levantadas pelo cantor trans Julian Sam. Ela prefere, aliás, não ter bandeira alguma... O anonimato é a morada dessa artista transgênero, que prefere nem ser identificada. Aqui nesta matéria, vamos chamá-la de ‘Dirce’.

Pois bem: Dirce contou ter compreendido que não era menino aos 11 anos de idade. Desde então, deu início ao processo de entendimento de si mesma. O transicionamento, claro, veio bem mais tarde. Já na fase adulta.

Para se tornar uma mulher trans, Dirce garante que teve apoio dos amigos e também da família. “Tenho apoio de todos os lados”. Ainda assim, ela diz temer o olhar da sociedade, mantendo o anonimato e focando no seu aprimoramento na área artística.

“Prefiro anonimato porque, muitas vezes, quando pessoas descobrem que você é tal, elas passam apenas a te ver como o tal, e não como ser humano. As pessoas esquecem que você quer levar uma vida normal, e não apenas falar sobre o que ela é”, declarou Dirce.

“Morre o DJ Kylt”

Ele já foi a DJ Kylt, mas a transição – motivo de suprema alegria – fez nascer o DJ Ian Valentim. Referência na discotecagem paraibana, Ian afirma que o mais difícil foi ‘autoaceitação’. Ele conta que o processo de mudança foi rápido. Mudança rápida também internamente. Porque sempre tive certeza do meu gênero”, contou o DJ, falando sobre a ‘morte de Kylt’.

Ian falou que desde a infância via a si mesmo como menino. O nome de menina deu lugar a Kylt. Depois, tornou-se Ian Kylt. Por fim, a libertação o rebatizou: Ian Valentim. “Minha família aceitou muito bem. A minha mãe teve um choque com a minha decisão, mas já compreende. E a plateia dos meus shows tem reagido muito bem”.

Ele destaca que João Pessoa, onde mora, conta com um ponto de apoio para pessoas trans, que é referência nacional. O ambulatório funciona no hospital Clementino Fraga, em Jaguaribe. O transicionamento de Ian começou há sete meses, em setembro do ano passado. Já havia anunciado no facebook em julho que iniciaria a transição.

Trans nos palcos

No Brasil, a vocalista Mel Gonçalves ou Candy Mel, da Banda Uó, alcançou o estrelato no mundo das trans. Já a banda As Bahias e a Cozinha Mineira tem duas vocalistas transexuais. Impossível também não citar celebridades trans como Thammy Miranda, Lea T, Rogeria, Tereza Brant, Ariadna e Marcella Maia.

Outro destaque vem do cinema: a atriz Julia Katharine foi a primeira trans na história a ganhar um prêmio na Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais, este ano. Por seu desempenho no filme “Lembro Mais dos Corvos”, Julia levou o Prêmio Helena Ignez, concedido a mulheres de destaque no cinema.

 “Uma mulher fantástica” foi o primeiro filme estrelado por uma trans a levar o Oscar, este ano. O filme chileno, que ganhou o prêmio de melhor longa estrangeiro, tem a atriz trans Daniela Vega. Do telão para a telinha, a atriz trans Jamie Clayton conquistou uma legião de fãs ao interpretar Nomi Marks em ‘Sense 8’. Criação da série é das irmãs trans Lilly e Lana Wachowski (as mesmas de ‘Matrix’).

Transfake

O Monart (Movimento Nacional de Artistas Trans) lançou o manifesto “Diga Não ao Transfake. Representatividade Já”, no qual artistas condenam que atores e atrizes cis interpretem personagens trans nas artes, seja no teatro, no cinema ou na televisão. A bandeira de luta tem apoio de artistas paraibanos.

O DJ Ian Valentim percebe a temática abordada em ‘A força do querer’ como muito importante para as pessoas trans. Na novela, a personagem interpretada pela atriz cis Carol Duarte passa por um processo de transicionamento. O Monart criticou o fato de não haver um artista trans no papel.

“Não teve representatividade, mas teve visibilidade”, avaliou o cantor e dançarino trans Julian Sam. Ele acrescentou que é muito importante que uma emissora com altos índices de audiência abra espaço para o debate em torno dessa temática, ajudando a população na compreensão do processo de transicionamento.

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