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Em simbiose com a natureza da música

Hoje, em João Pessoa, cantor, poeta e compositor carioca Sylvio Fraga apresenta gratuitamente a turnê do seu novo disco, ‘Robalo Nenhum

por publicado: 17/01/2023 00h00 última modificação: 17/01/2023 14h21
Foto: João Atala No show, Fraga promove a união de forma orgânica entre a temática da natureza e a musicalidade das religiões de matriz africana

No show, Fraga promove a união de forma orgânica entre a temática da natureza e a musicalidade das religiões de matriz africana

por Joel Cavalcanti*

Um cantor, compositor e poeta representado por inteiro em sua expressão artística e metafísica. O carioca Sylvio Fraga chega pela primeira vez a João Pessoa para apresentar seu quarto álbum, Robalo Nenhum, que ele leva hoje, às 20h, para o Recanto da Cevada, com entrada gratuita e participação especial do paraibano Pedro Indio Negro. No show, a temática da natureza e da musicalidade das religiões de matriz africana estão unidas de forma orgânica para que não se esqueça que fazemos todos parte do mundo natural como os outros seres sobre a Terra. “Sinto as duas coisas inextricáveis. Não vejo muito como interseção, são como sol e chuva pra planta crescer”, compara o músico para o Jornal A União.

Em composições que revelam o desejo de louvar e aprender com os mistérios da natureza, o ponto de vista de Sylvio Fraga se desloca em suas canções, por vezes, entre a perspectiva de um sujeito urbano e em outras ele está em plena simbiose com a fauna e a flora, de tal forma que se transmuta em um gambá, um baobá ou uma gota que dana na jangada. “Ora sou parte integrante do mistério (jogado na correnteza do abismo) ora vejo tudo um pouco de fora. Às vezes (muitas vezes?), as duas coisas na mesma canção. Admiro as sabedorias dos seres ‘irracionais’. Há uma comunhão dos mistérios da natureza com os mistérios da criação artística e da arte”, define ele.

Sylvio Fraga nasceu no Rio de Janeiro, em 1986, é mestre em poesia pela Universidade de Nova York (EUA) e já publicou os livros Entre árvores, Cardume e Quero-quero na várzea. Filho do economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, chegou a se formar em economia na PUC-Rio, e é neto de paraibano. “Tocar na Paraíba significa muito pra mim, pois meu avô era de Mamanguape. Será minha primeira vez em João Pessoa e ouvi falar muito bem da cidade, que é culturalmente muito ativa. O Nordeste é onde guardo algumas de minhas principais influências como artista: João Cabral, Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, sem falar nos baianos Dorival, Caetano, Gil, entre outros”, afirma Sylvio Fraga, que em João Pessoa estará acompanhado pelo carioca Bruno Aguilar, no baixo, e pelos baianos Marcelo Galter, no piano, e pelos percussionistas Reinaldo Boaventura e Luizinho do Jêje.

Foi justamente Luizinho do Jêje, huntó do Terreiro do Bogum, compositor conjunto da faixa ‘Fala do quê’, com quem Fraga irmanou sua visão rítmica para perceber mais conexões entre a natureza e as filosofias presentes em religiões das matrizes africanas. “Há uma conexão com a natureza muito mais profunda e bonita do que em outras religiões ocidentais que conheci ao longo da vida e que socialmente sempre estiveram mais perto de mim. Uma pena ter demorado para conhecer melhor a nossa real história brasileira e as verdadeiras origens da música brasileira”, lamenta o músico, que em seu álbum mais recente sente estar pela primeira vez completamente representado.

Essa percepção brotou a partir da confiança que ele teve para gravar voz e violão juntos, interpretando as canções da maneira como ele praticou sozinho no isolamento da pandemia. “Para a minha música, que é muito coletiva, em que tocamos em formação de cardume, faz toda diferença”. Quando passou a acreditar mais no seu jeito de tocar e cantar, Fraga atingiu um confesso amadurecimento das composições, dos arranjos do grupo, das interações coletivas e das sonoridades. “É curioso: minha maneira própria de fazer a arte vai se consolidando dentro de mim, ao mesmo tempo em que sigo no escuro – ou preciso estar no escuro – para dar o próximo passo”.

Na sela do sonho

Sylvio Fraga é diretor artístico da gravadora Rocinante, o selo aposta na singularidade dos anseios estéticos de seus criadores. A fábrica de LP faz discos que competem em qualidade com o que há de melhor no mercado internacional, além da excelência de seu estúdio. Dois trabalhos lançados pela gravadora foram indicados ao Grammy Latino de 2022 (os álbuns de João Donato & Jards Macalé, e o da pianista Érika Ribeiro). O músico chega à capital através do projeto ‘Noites Rocinante’, que pela primeira vez sai do Rio de Janeiro, e tem entre os participantes Thiago Amud, que divide a composição de cinco das 12 faixas do LP Robalo Nenhum, e a cantora Ilessi. Foi ela quem apresentou Pedro Indio Negro a Sylvio Fraga, que se impactou com a expressividade e o timbre singular da voz do cantor e compositor paraibano.

“Queremos conhecer mais de perto e aprender com a música feita aí, nos aproximar de quem está fazendo música nesses estados. Estou muito feliz, por exemplo, que Pedro Índio Negro topou participar do show, ele é um excepcional cantor e compositor. É um começo de estreitamento de laços entre a Rocinante e a Paraíba. Vamos oferecer música nova, autoral, sendo feita no Brasil”, anuncia o músico, que define seus objetivos com a gravadora criada com inspiração no nome do cavalo de Dom Quixote: “Rocinante é o cavalinho de um sonhador que anda passo a passo, pois não se atravessa um deserto a galope”.

Esse aspecto tão lírico parece estar igualmente refletido no que se revela a partir do nome de seu álbum. “Hoje já penso que o Robalo Nenhum tem a ver com o ato da pesca sem pegar o peixe como parte do processo criativo. Também a existência e importância do risco. Não peguei peixe nenhum, mas no final há um grupo de canções. Como se eu não conseguisse chegar no disco, mas o resultado é o disco em si”, conclui Sylvio Fraga.

*Matéria publicada na edição impressa de 17 de janeiro de 2023.

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