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Último mestre do Boi-bumbá da Paraíba
Produtores culturais de Taperoá, na região do Cariri, promovem uma campanha para o Mestre Antônio do Boi de Carnaval

Mestre dentro da Igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição, na década de 2000
por Guilherme Cabral*
Reformar a estrutura física do boi e costurar um novo estandarte. Esses são os objetivos da campanha #ValorizaOMestre, que um grupo de benfeitores e produtores culturais do município de Taperoá, localizado na região do Cariri do estado, vem realizando no intuito de que o Antônio do Boi de Carnaval, considerado o último Mestre do Boi-Bumbá da Paraíba, continue apresentando ao público essa manifestação cultural, que há 65 anos é uma tradição na cidade.
“A campanha vem ganhando força, já chegando ao patamar das metas de vendas das 50 camisas. Além disso, a iniciativa vem recebendo apoio dos empresários locais de Taperoá e de representações culturais de toda Paraíba”, informou a produtora e pesquisadora de cultura popular Érika Catarina. “O nosso objetivo, através dessa iniciativa, é promover o reconhecimento e a divulgação dessa tradição carnavalesca do Bumba Meu Boi que é levantada pelo Mestre Seu Antônio. Presente e resistente às adversidades, o Boi de Carnaval, como também é conhecido, é referência para a cultura e a arte da cidade de Taperoá, que tem como seus mais ilustres filhos o escritor Ariano Suassuna, Abdias do Acordeon, Vital Farias e Fuba, entre outros”.
- Há 65 anos, o folguedo é uma tradição na cidade pelas mãos de Antônio de Sousa Salviano, cuja campanha fará com que o brincante continue apresentando ao público a sua manifestação folclórica
Quem quiser contribuir pode comprar a camisa, cujo valor é R$ 35, mas há, também, a promoção “Pais e Filhos”, pois, se adquirir uma camisa adulta, a infantil sai por R$ 30, sendo variadas as formas de pagamento, via Pix ou cartão de crédito. Os interessados podem ligar para os responsáveis pelas vendas, que são os produtores culturais Érika Catarina Alves e Jordann Pimenta e cujos contatos são (83) 99663-7884 e 99863-8845, respectivamente. A comercialização e entrega das camisas também acontece em João Pessoa e Campina Grande, bem como há modos de cooperar diretamente com o Mestre em contas correntes e jurídicas. A intenção dos organizadores é que a primeira saída do Bumba Meu Boi ocorra no próximo dia 4 de fevereiro, durante a feira local, com previsão de muita adesão popular.
“Antônio de Sousa Salviano, que é o nome completo do Mestre, é um negro que mora com a esposa no Acampamento José Moreira, área de periferia, na Zona Rural da cidade. Ele tem 81 anos de idade, é lúcido e é o único dos mestres do Boi de Carnaval com vida. No início do século 20 existiam cinco desses bois em Taperoá e, hoje, ele é o último. Com essa campanha, estamos ajudando com mais afinco e queremos que o Mestre Antônio também tenha visibilidade para o resto da Paraíba”, disse Érika Catarina.
Há outro motivo que leva a pesquisadora a estar envolvida no projeto. “Meu pai tinha um comércio em Taperoá e contribuía com o Mestre Antônio, afixando com um alfinete quantia de dinheiro na bandeira que ele usava nas apresentações. É uma memória afetiva. O Bumba Meu Boi ali parece até que saiu de um folheto de cordel e é amado pela população. Em celebração por toda essa história, um grupo de benfeitores e produtores culturais lançaram a campanha #ValorizaOMestre, com o objetivo de reformar a estrutura física do boi, costurar um novo estandarte e doar o excedente dos lucros das vendas das camisas oficiais ao próprio Mestre da manifestação”, disse Érika Catarina, acrescentando que a intenção também é, quando for possível, inscrever projeto do Mestre em editais de incentivo à cultura, como as leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo.
Não deixar tombar
Apesar da idade avançada, o Mestre Antônio ainda guarda lembrança de como começou a apresentar o Boi de Carnaval em Taperoá. “Foi em 1958, quando estava com 18 anos de idade. Eu trabalhava com um cidadão, Raul Gouveia. Aí ele adoeceu e mandou me chamar. Ele disse: Tonho, eu mandei lhe chamar aqui porque estou doente e não posso brincar o boi e, se eu morrer, você segura a minha cadeira. Eu disse que então estava certo. Aí comecei a segurar e estou até hoje”, disse.
Seu Antônio comentou que costuma utilizar sete componentes para fazer a brincadeira. “Quando minhas condições estão permitindo, tem a minha sanfona, que está desmantelada, o tocador de triângulo e o da zabumba, além de dois para pegar o boi e outros dois para olhar o boi, porque tem que botar gente para guarnecer o boi. Eles querem bagunçar a brincadeira, mas comigo ninguém bagunça. Vou mandar ajeitar a sanfona, porque essa brincadeira só presta com acompanhamento”, afirmou.
O brincante comentou que, preferencialmente, sai com o boi oito dias antes do Carnaval e no sábado da folia. “Eu me apresento nas ruas, nas casas dos colegas. Quem tem prata me dá e quem não tem é a mesma coisa, porque o cabra não vai forçar ninguém a dar sem ter. Mas eu não deixo de ir à porta de uma pessoa. Me dê prata, ou não dê, eu vou. Do jeito que é um é tudo”, disse ele, acrescentando que costuma sair com o boi às 9h e ficar na cidade até as 14h. Durante o isolamento social, não realizou a manifestação cultural.
Seu Antônio chegou a conhecer vários mestres, que tinham diversas profissões, a exemplo de pedreiro e tocador de violão. “Um Mestre foi parando e o outro começando, até Raul, que me pediu para não deixar cair a brincadeira. Meus netos não são chegados, mas vou passar meu legado para meu bisneto”, perseverou ele.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de18 de janeiro de 2023.