Notícias
#111 'Amor no Espectro': pelo direito universal de amar
por Gi Ismael
Programas de namoro nunca saíram de moda. Quem não acompanhou um ‘Vai Dar Namoro’, ‘Beija Sapo’ ou ‘Namoro na TV’ da vida, que atire a primeira pedra. Ei, cuidado com a minha cabeça!
Claro que esse prazer culposo não saiu da cola das plataformas de streaming quando elas se popularizaram, principalmente a Netflix. Num piscar de olhos, nos depararmos com opções de séries do gênero “reality para formar casais”, das mais bizarras (claro que estou falando de ‘Sexy Beasts: Amor Desmascarado’) às mais divertidas (‘Are You The One?’ e ‘Casamento às Cegas’, adoro). Mas diferente dessas produções que enchem os participantes de bebidas alcóolicas e vangloriam as famosas tretas e baixarias eventuais, existe um precioso título que merece, de fato, a audiência de todo mundo: ‘Amor no Espectro’.
Com duas temporadas lançadas entre 2019 e 2021, a série documental (nome chique para ‘reality’) é situada na Austrália e acompanha a vida de pessoas diagnosticadas com transtorno do espectro autista (TEA) e que estão em busca do democrático ato de amar. Quase todos os participantes, homens e mulheres de diferentes idades, passaram ali, na frente das câmeras, por suas primeiras experiências de encontros românticos, primeiros beijos e seguradas de mãos.
‘Amor no Espectro’ tem uma abordagem muito genuína e respeitosa para com seus protagonistas. Deixando o capacitismo de lado, os episódios documentam o cotidiano autônomo desses jovens, sem provocar situações incômodas a fim de um take dramático. Além de nos mostrar que a mente humana não é preto ou branco e que o autismo possui mais nuances do que se pode imaginar, a série aborda também o público LGBTQIA+ que está inserido no espectro, com ao menos três personagens que se identificam como bissexuais.
Na segunda temporada, lançada no final de setembro, ‘Amor no Espectro’ volta a acompanhar Michael, um elegante, queridíssimo e bem-humorado jovem, Mark, um vívido homem que busca uma companheira com quem possa dividir seu amor por dinossauros, e o casal Sharnae e Jimmy, dois pombinhos que irão se casar em breve. Outras novas personagens são introduzidas na trama, como a animada e brilhante Teo e o carinhoso Ronan.
Além da equipe de filmagens, quem acompanha a rotina desses jovens é Jodi Rodgers, uma conselheira e terapeuta especialista em introduzir pessoas no espectro autista a princípios básicos de relacionamentos, romance e sexo. Apesar dos desafios sociais enfrentados pela maioria destas pessoas, Jodi as faz entender que, se é algo que buscam, é possível sim encontrar uma metade para suas vidas. Justamente por essa abordagem, a série agrada tanto neurodivergentes como neurotípicos. A única crítica mais específica que li de pessoas com TEA é que a série não deveria arranjar unicamente encontros entre duas pessoas autistas, uma vez que é totalmente possível construir relacionamentos com pessoas de dentro e de fora do transtorno.
Mas o que é esse tal amor que aparentemente todo mundo decide desbravar como numa jornada? Para alguns personagens da série, o amor é aquilo que assistem em filmes e séries; o lado romântico eternizado nas ficções. Para outros, o amor é manifestado através de um par que, mais do que namorado(a), será seu melhor amigo(a) para toda a vida. Independente da definição, um adendo parece unânime: “meu verdadeiro amor será alguém que gostará de mim por quem eu sou, incondicionalmente”. Não é o que todos nós merecemos, afinal?
Com um desfecho emocionante na segunda temporada, ‘Amor no Espectro’ nos ensina a olhar para o mundo com olhos mais apaixonados e empáticos, nos restaurando, com doses cavalares, a escassa fé na humanidade.